2 de julho de 2014

As memórias dos meus avós na minha infância...

Ás vezes, algumas pessoas perguntam-me porque eu não paro...

Já descobri que se parar de fazer o que gosto, mesmo quando tenho algumas dores, desanimo. Fico ainda pior!
Porque sou uma criativa, gosto de criar, pintar, por as mãos na terra, tratar dos meus animais.
Gosto de ter a casa cuidada... Gosto de bordar...
Mas dadas algumas limitações físicas que tenho sentido, tenho pensado muito no assunto... e chego à conclusão que tenho esta garra não só por mim... É pela minha FILHA também!
Gostava que ela tivesse metade pelo menos, das boas recordações que eu tenho da minha infância, as memórias das experiências que os meus avós me proporcionaram.
E elas são muitas, pelas quais fico muitas vezes a suspirar com um grande sorriso e uma grande saudade...
Colheita do fim de tardede domingo com a filhota, enquanto o marido fresava o terreno.
Vivi até aos 8 anos com os meus pais em casa dos meus avós maternos.
Os meus pais trabalhavam muito e felizmente eu tive mais um pai e uma mãe cheios de paciência para mim.
Adorava dormir no quarto dos meus avós. Uma caminha aos pés da cama deles. Numa parte da casa com menos condições, mas carregada de amor!
Antes de irmos para o quarto, sentava-me entre o meu avô e a minha avó. Ela de carrapito de trança no alto da cabeça, baixava e levantava a cabeça, ora dava uma olhadela na televisão por cima dos óculos, colocados na ponta do nariz, ora olhava para o seu trabalho de mãos, num frenesim entre agulhas e linhas... fazia obras de arte, as quais na altura me eram indiferentes. O meu querido e falecido avó materno, o qual eu amei muito, ensinava-me a jogar cartas, em cima de um velho tabuleiro metálico ilustrado com uma natureza morta.
Adorava contar-me a história de Portugal, sabia o nome de todos os Reis, sabia a história de cada um... Ensinava-me o nome dos rios, onde nasciam... Gostava muito de falar... O meu querido avô H., tanto que eu o adorava. Levava-me com ele para a horta. Passávamos os dois lá as tardes. Eu tomava umas banhocas num tanque de nascente fresquinho cheio de plantas, que cobriam uma rocha alta... Sítio lindo! Mas do que eu tenho tanta saudade é da forma como ele cuidava das suas hortas. Regava à maneira antiga, com regos entre cada fila de plantação e com um rego transversal que abria e fechava "comporta" com um montinho de terra que arrastava com a sua enxada. E eu adorava fazê-lo com as minhas pequenas mãos. Cuidava da terra como ninguém. Acho que a minha "mania" de ter a casa limpa e arrumada é idêntica à "mania" que ele tinha em manter os seus terrenos maravilhosamente amanhados e cuidados.
Talvez seja por estas boas recordações que eu tenho um fascínio tão grande por hortas, terrenos cuidados e tenho tanta saudade deste tipo de rega.  Era mais ou menos isto que esta imagem apresenta:
http://terramanhada.blogspot.pt/
Rio-me muitas vezes ao lembrar-me deste episódio... Fui com o meu avô H. comprar azeite a um lagar na aldeia vizinha, na carroça puxados pela velha burra branca. O meu avô fazia uns estalinhos com a língua que eu tentava imitar e dizia "Arre burra"... E eu para ajudar, peguei no chapéu de chuva e dei na pobre coitada da burra, até que a pega do chapéu saltou para o chão... Com aquela paciência dele, saiu da carroça e apanhou a pega do chapéu e seguimos viagem.
Tenho saudades de ver o meu avó sentado no banco comprido e baixo, de cor azul muito sumida, a fazer a barba com um pincel antigo e uma bacia velha... adorava estar ajoelhada perto dele quando fazia a barba... ele ia rindo e contando as suas coisinhas... Lembro-me das suas pernas magrinhas pintadas de cor de vinho quando pisava as uvas no lagar. Meu querido avô, que enriqueceste a minha vida com tanto amor, histórias, cheiros que me deixam tantas saudades...
A minha avozinha L., que ainda hoje me faz o almoço quase todos os dias, foi como uma mãe a minha vida inteira... Cozia pão e ainda quentinho barrava-o com azeite e açúcar amarelo, juntava as netas numa alegria, a comer tal maravilha. Torrava farinha e fazia papa de farinha torrada com uma casquinha de limão. Um sabor inesquecível na minha memória... fazia o melhor salame de chocolate, assava frango ao Domingo... Faz ainda um prato de misturadas maravilhoso. Todos os anos fazia mais que um fato de Carnaval diferente. Vestiu-me de cozinheiro, de Minie, de palhaço, de Emília do Sítio do picapau amarelo... Vestiu-me de noivo e à minha irmã de noiva... entre tantos enfeites que já não me recordo. Fez-me malas, roupas, chapéus... Fazia para mim e para as minhas bonecas. Íamos todos os anos apanhar a espiga na Quinta feira de Ascenção... apanhávamos caracóis para vender... Ensinou-me a bordar ponto pé de flor, ponto grelhão, ponto cadeira. Ficou felicíssima quando soube que eu consegui aprender outros pontos que ela desconhecia... Não consigo contar todas as coisas maravilhosas que me fez... e apesar de estar viva, tenho já muitas saudades dos tempos que passámos juntas e das coisas que aprendi e vivi com ela. Dela vou recordar com saudades os sabores e muito mais. Vou guardar os trabalhos maravilhosos feitos com linhas pelas suas mãos. Ela, esta mulher da minha vida, ainda hoje faz tudo para sermos felizes. Era e é de uma dedicação enorme! É uma mulher dona de uma criatividade enorme... por vezes pergunto-me como tem tanta imaginação para as artes sem recurso a inspiração em revistas, na internet... Com os meus avós aprendi a gostar tanto de animais... Ia com o meu avó tratar da burra, com a minha avó tratava das galinhas, dos porcos... Ainda hoje a minha tia tem galinhas no espaço que outrora eu visitava quase diariamente e ninguém imagina como gosto de o visitar. se o digo à minha rica prima M. ainda é capaz de gozar comigo e dar uma boa gargalhada ;)

Os meus avós paternos, apesar de passar menos tempo com eles, deixaram recordações muito boas...
A minha avó A. já falecida, fazia-me um chocolate quente, numa velha cafeteira, dentro da fornalha, ao lume... Ainda me lembro do sabor e do bem que me sabia...  Lembro-me da embalagem amarela do chocolate. Sentavamo-nos numa velha mesinha de madeira verde ou azul, com gavetinhas por baixo e com uma toalha de plástico em bico... Dormia em casa dela sempre que havia bailes e noites de Carnaval... adorava festas... ao fim da noite íamos para casa embrulhadas num xaile e dormia-mos na sua cama... o meu avô A. cedia-me o seu lugar, afinal, apesar de simples, era o melhor quarto da casa, e passava a noite num velho divã de palha. Era eu quem apagava o candeeiro tapado com uma folha de jornal, para diminuir a intensidade da luz. Corria o seu estreito quintal de baixo a cima atrás dos seus gatos... espreitava o pequeno curral da burra, espreitava para o quintal das vizinhas... O meu avô A. secava casca de pêssego ao sol para eu comer, e que bom que era. Dava-me uma moeda para comprar amendoins... Fazia versos e cantigas que cantava para mim antes de as apresentar às pessoas da aldeia. Tocava clarinete. Era e ainda é um homem alegre e bem disposto apesar das limitações da idade e da saúde. Tem um ar sempre jovial, é impressionante.

Vou concerteza lembrar-me de muitas mais recordações e virei juntar à lista...

Chego à conclusão que tenho muito dos meus avós... herdado geneticamente ou simplesmente por ensinamentos, tenho mesmo muito deles na minha pessoa!

Bem, mas comecei este texto com:
"Gostava que ela tivesse metade pelo menos, das boas recordações que eu tenho da minha infância, as memórias das experiências que os meus avós me proporcionaram."

A minha filha tem a sorte de ter avós que são doidos por ela. E ela é completamente apaixonada por eles! Fala em todos eles, todos os dias sem excepção. Vai guardar muitas e muitas recordações e vai mesmo pois todos eles tem muito para lhe dar. Felizmente todas as semanas, consegue estar com todos! Viver isoladamente o seu bocadinho com cada um para tirar o máximo partido desse bocado de tempo maravilhoso para ela! Mas são avós que têm uma vida moderna... Não podem neste momento mostrar-lhe como se cultiva a terra, como se trata de um animal, fazer bolos com ela... e é para isso que eu sinto que cá estou :) Vou mostrar-lhe e fazer-lhe o que os meus avós me fizeram a mim e que deixou tanta recordação :)

Beijos.

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